terça-feira, 15 de abril de 2008

.demasiado tarde

Foto: Verónica de Sousa

Eu tive o melhor namorado do mundo.
Por tudo e por nada trazia-me flores,
Frascos caros com raras fragrâncias e odores,
O poema de amor mais profundo,
Ele era um sonho tornado real
Deu-me uma relação desprovida de dissabores
Como eu me sentia especial!
O dia do nosso casamento foi lindo
Tudo perfeito, tal como eu sonhava desde criança
Ainda vejo os seus lábios sorrindo
Os seus olhos transmitindo
"Ao meu lado estás em segurança."
Eu acreditei, se acreditei!
Tinha à minha frente a mais bela relação
Tinha ao meu lado o homem com que sonhei
Estava a entrar numa vida de perfeição
Quem me dera nesse dia já saber o que hoje sei!
Os problemas começaram desde o primeiro dia.
Gritos, discussões, ameaças, agressões,
Mas a culpa não era dele, mas da minha ousadia
Eu é que era egoísta e não o compreendia
Tinha que compreender as suas razões
Era pelos meus actos que ele me batia.
Nunca mais me trouxe flores.
Nunca mais me dirigiu o seu sorriso
Dirigia-o a outros olhos, a outros amores
Batia-me até eu não suportar as dores
Nunca me deu o que realmente preciso
Vigiava-me e controlava os meus passos
Explicava-me o que os meus olhos não viam
"A culpa é tua. Sou assim porque não sabes amar."
Entregava o afecto que me pertencia noutros braços
E os murros que esses braços mereciam
À minha face vinham parar.
Os anos passavam, não havia Natal
Ele esqueceu o meu aniversário, até a minha idade
Tudo se repetia dia após dia
Todo o seu ódio e toda a sua maldade
Mais um dia neste ciclo sem fim,
E como eu gostaria de voltar a receber flores!
No fundo, a culpa só podia ser minha
Eu é que o contrariei e as coisas ficaram assim
Eu é que existo como se vivesse sozinha.

Hoje ele comprou-me flores. Muitas flores.
Hoje é um dia realmente especial
Na última semana ele bateu-me tanto
Que eu fui em coma para o hospital.
As lesões era demasiadas em todo o meu corpo
Os médicos tentaram evitar o inevitável
Morri ontem, às 05h da manhã, sozinha e desfigurada
Hoje é o dia do meu funeral
Mergulhei para sempre num sono profundo
Mas a culpa não foi dele, eu é que agi mal
Afinal, eu tive o melhor namorado do mundo.

terça-feira, 1 de abril de 2008

.de olhos fechados

Foto: Verónica de Sousa

De olhos fechados avanço sem ter chão
Os meus pés em sangue já não sentem a dor
Toda a superfície de que piso está coberta de vidros
Cacos da garrafa partida, encharcados nos restos do licor
Cacos da minha família dividida,
encharcados nos restos da minha vida sem sabor.
O álcool que inicialmente foi tão doloroso
Saturou o meu corpo e a minha mente;
Impediu-me de ver o seu ar de gozo
tornando-me totalmente imune e indiferente.
A minha indiferença foi o combustível do seu rancor
E esse fogo alastrou por fim
reduzindo a cinzas a importância da minha imunidade
dando-me a beber um copo de pavor
fazendo-me duvidar do que sabia ser verdade
e roubando a melodia que outrora houve em mim.
De olhos fechados, percebo que não posso continuar
Pelo menos não sozinha.
Levei a situação ao limite, tentei realizar o impossível
Avançando de olhos fechados, não soube ver quando parar.
A minha imaturidade é visível.
Eu não quero a vontade dEle, quero apenas a minha.
De olhos fechados sei que Ele está aqui
No fundo sei que sempre esteve ao meu lado
Eu escolhi não o ver, ignorei-o e parti
Voltei as costas ao meu Pai Amado
Fechei os meus olhos, e nunca mais os abri.
Hoje olho para a frente, porque não posso mudar o passado.
De olhos fechados ouço o Seu convite
De olhos fechados seguro a Sua mão
De olhos fechados confio-Lhe a minha vida
De olhos fechados recebo a salvação.
E apesar de não ver, sei que já não estou perdida
Fiz as pazes com Ele, sigo-O de olhos fechados
Irei para onde Ele me levar
Só porque sei que não deixa os Seus filhos desamparados.
E se for da Sua vontade,
um dia abrir-me-á os olhos, dar-me-á novamente a visão,
permitindo-me ver que no meio da maior tribulação
Ele mostra todo o Seu amor e fidelidade
que perante a minha maior transgressão
Ele queima a mentira e repõe a verdade
e dando-me assim mais um motivo
para conseguir cantar na tempestade!