segunda-feira, 10 de março de 2008

.sonho

Foto: Verónica de Sousa

Sonhei que acordava com a luz rosa e alaranjada da alvorada, num lugar diferente. Um lugar onde tudo é de uma beleza e perfeição cristalinas.


Ao abrir os olhos, toda aquela luz de tonalidade única e a brisa fresca matinal invandem-me. Ouço a melodia das ondas, tropeçando e deslizando ao mesmo tempo que a sua espuma branca se desfaz na areia finíssima, vez após vez. Olho à minha volta. O que vejo é algo maravilhoso e inexplicável. Os pássaros cantam, o vento encarrega-se de acompanhar a sua melodia, passeando-se entre as àrvores e escolhendo ora sons graves, ora sons agudos, e encaixando perfeitamente na melodia assobiada docemente pelos pássaros.


Levanto-me pela primeira vez, e admiro toda aquela perfeição; deslumbrada, viro-me de costas para o mar, reparando pela primeira vez na paisagem verde que tenho atrás de mim. Toda a floresta parece estar viva, como se tivesse sido criada naquele momento, só para que eu a visse. impressionante. A sensação é que a floresta me chama para entrar nela. Como é mais forte que eu, acabo por entrar mesmo. Enquano me vou embrenhando pelo meio das árvores, perco por completo a noção do tempo.


Chego finalmente a um sítio diferente, com a sensação de ter andado horas. É uma espécie de descampado, no meio daquele paraíso. No meio deste descampado há uma rocha bastante grande. Subo para ver à minha volta. Olho para a direita, vejo mar; olho para a esquerda, vejo mais mar... tenho mar a toda a volta! Estou cercada, presa naquilo que agora percebo ser uma ilha. De repente, toda aquela maravilha se torna num pesadelo. Penso em pedir ajuda, mas não há ninguém. Estou sozinha no meio de nada. O céu limpo cobre-se rapidamente com nuvens grandes e negras. Começa a chover torrencialmente. Todos os pássaros desaparecem; aquele sussurrar do vento transforma-se num rugido assustador. Aterrorizada, tapo os olhos com força. Desejo apenas que isto acabe. De repente, um ruído fortíssimo impõe-se a tudo o resto. Abro os olhos completamente atordoada; vejo o brilho das letras fluorescentes do meu despertador. São 7horas em ponto. Levanto-me aliviada e, pela primeira vez, satisfeita com a imperfeição da realidade.

sexta-feira, 7 de março de 2008

.buracos na estrada

Foto: Joana Wagner

Abro os olhos, sinto a brisa fresca no meu rosto
À minha volta, sorrisos desconhecidos fixam-se em mim
Todos querem tocar-me, pegar em mim ou apenas ver-me a dormir
Sou para todos um motivo de festa e alegria
Encontro segurança no peito a que me encosto
Não sei porque está aqui tanta gente a sorrir assim!
Todos ficam parados de repente, como que à espera de me ouvir
Solto-me num choro, percebo o motivo desta agitação
Cheguei à estação para iniciar a viagem da vida.
Uma senhora de branco diz que está tudo bem com o meu coração
Estou bem, segura e preparada para a partida.
Dão-me tudo o que é necessário para começar
Ponho malas às costas, nas mãos, de forma a poder levar tudo;
tudo o que preciso, tudo o que não preciso,
tudo o que talvez nunca venha a precisar.
Com dificuldades em caminhar ouço um apito agudo.
Chegou a hora!
Subo para o comboio e procuro o meu lugar
Lentamente, o comboio começa a avançar
O que durante nove meses esperei, chegou agora
A viagem decorre normalmente.
Várias pessoas trazem-me comida, vestuário e educação
Trabalho para atingir o meu objectivo: chegar à última estação.
A carruagem começa a abanar violentamente
Não sei o que se passa, assustada tento não cair
Num movimento mais violento, a carruagem começa a rebolar
Obviamente estamos fora dos carris, e o comboio seguiu
A nossa carruagem por algum motivo saiu do lugar
soltando-se do resto do comboio e saindo do caminho.
Quando finalmente paramos, levanto a cabeça devagarinho.
Observo apenas medo, dor, destruição,
É legível o pânico em cada olhar.
Vejo que alguns deixando-se vencer, não conseguiram aguentar,
vejo que poucos sobreviveram a esta primeira frustração.
Levanto-me sem vontade de continuar.
Sei que estou ferida, mas não sei com que gravidade
Começo a abrir e fechar malas à procura de algo
Para que trouxe tanta coisa?? Tenho tudo e não tenho nada!
Encontro tudo menos o que preciso na realidade!
Quando estou farta e prestes a desistir,
vejo no fundo da minha mala uma Bíblia abandonada
Encontrei a chave, o mapa, a hipótese de prosseguir.
Levanto-me nos destroços, olho para a frente e tento sorrir
Vejo-me entre choro, gritos e corpos numa encruzilhada.
Quando consigo sair daquela maldita carruagem
vejo que chegou a altura de ser independente.
Engolindo o meu ego, pego em tudo e dou um passo em frente
Estou pronta para iniciar a próxima etapa da minha viagem.
Começo a avançar com dificuldade
devido ao peso da bagagem.
Custa, mas decido abdicar de parte
e avanço agora com menos peso, um pouco aliviada.
Continuo passo a passo, caminhando pela estrada
Uma estrada difícil e irregular
cheia de curvas apertadas que me cansam
e buracos que me fazem cair, vez após vez.
Observo a criança que sou, vejo a minha pequenez,
percebo que lábios manipuladores me enganam
e a bagagem que carrego mostra a minha insensatez.
O fardo é demasiado pesado!
Abandono tudo, guardo apenas a Bíblia
Agora, lendo, vejo-me reflectida em milhares de espelhos
Chego a Salmo37.5 e lembro-me do que tenho estudado
"ninguém chega tão alto como um cristão de joelhos!"
Sigo então, pela primeira vez realmente preparada
Não vou sozinha nesta viagem
Persistente ou com dúvidas, avanço para o meu alvo
O caminho é longo e o meu ego está em cacos
Tento levantar-me, mesmo estando esgotada
depois de tropeçar e cair nos buracos.
Como todos, percorro a estrada da vida.
Como poucos, tenho a chave para a percorrer.
Hei-de cair muitas vezes, hei-de ficar cansada
Hei-de levantar-me também, e continuar a caminhada.
Porém, não hei-de ser criancinha inocente
Cresci, aprendi, agora vivo consciente
Há buracos nesta estrada!