quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

.mensagem numa garrafa

Estive meses naquela gaveta, à espera de ser escolhida
Cada dia Ele a abria, e tirava outras folhas,
Olhava para mim e dizia ‘Ainda não está na hora.’
Eu queria tanto começar a minha vida!
Poder sair, ter opinião, fazer escolhas,
‘Mas, Pai, porque não me tiras agora?’
‘Cada coisa a seu tempo’, e fechava a gaveta.
Todos os dias, o mesmo ritual
Um acto único que se tornara banal
O virar infinito da ampulheta
Numa eterna realidade surreal
Certo dia, tal como em todos os outros, senti a gaveta abrir
Pude ver novamente a Sua brandura
Mas algo estava diferente,
Com Seu olhar meigo, repleto de doçura
Impediu a minha tentativa de me abstrair
E tirou-me de dentro daquela armadura.
Carinhosamente, pousou-me debaixo do velho candeeiro
Só então percebi ser uma folha sem mensagem
Escreveu em mim, encheu-me de coragem
Prometeu ser O meu companheiro.
E preparou-me para a viagem.
‘Mantém-te firme, confia em Mim
Quem te encontrar, reconhecerá a minha caligrafia
Desta tonalidade quente, carmesim’
Não sabia se seria sempre assim
Mas certamente iria lutar para viver, dia após dia.
Pegou numa garrafa, e lá me acomodou
‘Fica aí dentro até chegares ao teu destino.’
Atirou-me ao mar, como passageiro clandestino
A escuridão do sótão acabou
Passei a viver num azul cristalino.
Havia apenas uma coisa que eu não sabia
A viagem não fora pensada à minha maneira
Ele ter-se-ia enganado, ao me achar aventureira
As ondas eram grandes, a garrafa quase partia
Decidi sair, e escolher a minha própria carreira.
Sozinha em alto mar, não escapei à tempestade
Cada onda me estragava mais, a minha tinta desapareceu
‘Agora ninguém vai poder ver o que Ele em mim escreveu’
Não era esta a minha vontade!
Tropecei e cai na primeira adversidade
Não percebo porque é que Ele me escolheu.
Ao tentar reescrever as palavras
Apenas me magoei mais
Às tantas tinha cicatrizes tais
Que nem a minha dor era legível
A minha existência tornara-se impossível
Vivera tempo demais.
Arrependi-me de ter saído da garrafa
Arrependi-me de não ter confiado
Tudo o que fiz foi errado
Agora tudo acabou. Desisti.
Experimentei a segurança que durante anos esqueci.
Fiquei apenas inerte, esqueci-me do tempo.
Deixei as minhas angústias serem levadas pelo vento
Vento esse que optou por me enganar
E mostra agora toda a verdade,
Pondo de lado a falsidade
Que estava habituado a usar.

Não falo, não tenho significado
Não corro qualquer risco
Sou um pedaço de papel abandonado
Eternamente marcado pelos erros do passado.
O tempo passa, praticamente não existo.
Mas sem que eu espere, ouço a sua voz
Sonho com a protecção do sótão,
Contentar-me-ia com uma casquinha de noz
Sou apenas o resultado da minha falta de gratidão.
Com o Seu amor de Pai,
Ele encontra-me, oferece-me perdão
Restaura-me, com uma tinta que não sai
Envia-me novamente, na minha jornada
Desta vez obedecerei.
Por amor do Seu nome, sem condições confiarei
Já não temo as ondas, o vento ou a trovoada
Viajarei, firme até ao dia da chegada
Viverei para o meu Pai, meu Salvador e meu Rei
E se alguma vez a tribulação me roubar a alegria
Continuarei no Seu plano divino
Agradecerei pela garrafa que me protege
Seguirei sempre com ousadia
Confiarei no líder que me rege
Hei-de chegar ao meu destino
Pois ‘Não haverá atraso de um só dia.’