domingo, 1 de agosto de 2010

.amazing grace

Foto: Hugo Moura

Amanheceu cedo depois do tardio anoitecer. Foi então clara a óbvia e significativa diferença entre o primeiro amanhecer delas e o meu terceiro amanhecer. A euforia histérica e sufocante destas crianças pela dimensão da bênção que é uma semana fora de casa traz-me um sorriso que me incapacita para a repreensão.
- Meninas, amanhã fazemos assim. Se vocês acordarem antes de nós (especialmente, se vocês acordarem antes do nascer do Sol), não façam barulho, para que o resto das pessoas na tenda possam dormir mais um pouco.
E é assim que começa o dia, bem antes do planeado. Sem tempo para ocultar sob uma considerável camada de base as olheiras com que até eu me assusto, enfrento o mundo quase corajosamente após um rápido banho de água fria. A vida corre, acelerada, atropelando cada segundo desta terça-feira. Acordar as crianças, contar se estão todas presentes,  servir as refeições, limpar o refeitório, ouvir e acompanhar as histórias de vida mais aterradoras, vidas que já viveram mais do que deviam, muito mais do que deviam. Vidas de 6 anos que já viveram e experienciaram mais que a maioria das vidas adultas. Com alguns líderes fora em compromissos e um teatro para preparar, deixamos as crianças quase por sua conta durante um pequeno espaço de tempo em que muitas coisas correm mal, sob a nossa responsabilidade. Chega a ponderar-se o cancelamento do teatro pelo avançado da hora, e acabamos a decidir que o teatro tem que ser apresentado.
É então que um grupo física e emocionalmente esgotado entra no auditório e se põe em posição para representar a história de 6 vidas que tanto tocaria cada pessoa que assistiu e cada pessoa que participou. Ainda antes de as crianças entrarem, de uma voz tão doce e familiar, 'Por Teu grande amor, a luz e o calor, queremos Senhor dar-Te graças, também pelo pão, pela habitação, de bom coração damos graças. Louvamos-Te, oh Deus.' Espontânea e automaticamente, todos nós começamos a cantar, em diferentes vozes, toda a harmonia do único meio de comunicação permitido naquele momento para fazer a ligação entre nós e Deus: a música, o louvor. Quando as crianças começam a entrar, passamos da letra para 'ooooohh's', continuando a entoar a mesma melodia, saída directamente de corações humildes, quebrantados e preparados para servir. As crianças continuam a entrar e nós passamos para 'Amazing Grace', inicialmente com letra, depois sem letra, a vozes, deixando cada criança e jovem perplexa e sem reacção. Começamos então o teatro, tocando e proporcionando mudanças em vidas destroçadas, preparados para seguir a nossa tarefa até ao fim, servindo aquelas crianças em cada segundo daquela semana.
'Deus escreve direito por linhas tortas.' A ligação directa com Ele não foi facilitada, não da forma convencional, mas foi estabelecida, de outra forma, com a união do que fomos e somos enquanto grupo. Oro para que este grupo continue a ultrapassar as barreiras e limites do convencional, mantendo contacto, confiança, partilha, serviço, propósito, juntos. O que nos move? O Deus do impossível, a única esperança tanto para nós como para as crianças com quem trabalhamos.

Dedicado à equipa de líderes e às crianças e jovens do ACJ2010.