sexta-feira, 7 de março de 2008

.buracos na estrada

Foto: Joana Wagner

Abro os olhos, sinto a brisa fresca no meu rosto
À minha volta, sorrisos desconhecidos fixam-se em mim
Todos querem tocar-me, pegar em mim ou apenas ver-me a dormir
Sou para todos um motivo de festa e alegria
Encontro segurança no peito a que me encosto
Não sei porque está aqui tanta gente a sorrir assim!
Todos ficam parados de repente, como que à espera de me ouvir
Solto-me num choro, percebo o motivo desta agitação
Cheguei à estação para iniciar a viagem da vida.
Uma senhora de branco diz que está tudo bem com o meu coração
Estou bem, segura e preparada para a partida.
Dão-me tudo o que é necessário para começar
Ponho malas às costas, nas mãos, de forma a poder levar tudo;
tudo o que preciso, tudo o que não preciso,
tudo o que talvez nunca venha a precisar.
Com dificuldades em caminhar ouço um apito agudo.
Chegou a hora!
Subo para o comboio e procuro o meu lugar
Lentamente, o comboio começa a avançar
O que durante nove meses esperei, chegou agora
A viagem decorre normalmente.
Várias pessoas trazem-me comida, vestuário e educação
Trabalho para atingir o meu objectivo: chegar à última estação.
A carruagem começa a abanar violentamente
Não sei o que se passa, assustada tento não cair
Num movimento mais violento, a carruagem começa a rebolar
Obviamente estamos fora dos carris, e o comboio seguiu
A nossa carruagem por algum motivo saiu do lugar
soltando-se do resto do comboio e saindo do caminho.
Quando finalmente paramos, levanto a cabeça devagarinho.
Observo apenas medo, dor, destruição,
É legível o pânico em cada olhar.
Vejo que alguns deixando-se vencer, não conseguiram aguentar,
vejo que poucos sobreviveram a esta primeira frustração.
Levanto-me sem vontade de continuar.
Sei que estou ferida, mas não sei com que gravidade
Começo a abrir e fechar malas à procura de algo
Para que trouxe tanta coisa?? Tenho tudo e não tenho nada!
Encontro tudo menos o que preciso na realidade!
Quando estou farta e prestes a desistir,
vejo no fundo da minha mala uma Bíblia abandonada
Encontrei a chave, o mapa, a hipótese de prosseguir.
Levanto-me nos destroços, olho para a frente e tento sorrir
Vejo-me entre choro, gritos e corpos numa encruzilhada.
Quando consigo sair daquela maldita carruagem
vejo que chegou a altura de ser independente.
Engolindo o meu ego, pego em tudo e dou um passo em frente
Estou pronta para iniciar a próxima etapa da minha viagem.
Começo a avançar com dificuldade
devido ao peso da bagagem.
Custa, mas decido abdicar de parte
e avanço agora com menos peso, um pouco aliviada.
Continuo passo a passo, caminhando pela estrada
Uma estrada difícil e irregular
cheia de curvas apertadas que me cansam
e buracos que me fazem cair, vez após vez.
Observo a criança que sou, vejo a minha pequenez,
percebo que lábios manipuladores me enganam
e a bagagem que carrego mostra a minha insensatez.
O fardo é demasiado pesado!
Abandono tudo, guardo apenas a Bíblia
Agora, lendo, vejo-me reflectida em milhares de espelhos
Chego a Salmo37.5 e lembro-me do que tenho estudado
"ninguém chega tão alto como um cristão de joelhos!"
Sigo então, pela primeira vez realmente preparada
Não vou sozinha nesta viagem
Persistente ou com dúvidas, avanço para o meu alvo
O caminho é longo e o meu ego está em cacos
Tento levantar-me, mesmo estando esgotada
depois de tropeçar e cair nos buracos.
Como todos, percorro a estrada da vida.
Como poucos, tenho a chave para a percorrer.
Hei-de cair muitas vezes, hei-de ficar cansada
Hei-de levantar-me também, e continuar a caminhada.
Porém, não hei-de ser criancinha inocente
Cresci, aprendi, agora vivo consciente
Há buracos nesta estrada!

1 comentário:

mimi disse...

Muitos infelizmente.. E alguns bem fundos. Mas quando se tem quem nos dê a mão, nenhum buraco é demasiado fundo ou largo. É apenas uma irregularidade no terreno. Sempre ultrapassável. ;)